o vento
Void - 14/15 anos
não sei como explicar ele.
com toda a certeza do mundo é a pessoa que eu mais amei na vida.
nos conhecemos pelo tinder, quando eu estava de passagem pelo Rio. ele tinha 18 anos e estava terminando o ensino médio. não conversamos muito na época que nos conhecemos, mas depois de uns meses, nos aproximamos muito e conversávamos sem parar.
ele se tornou o meu melhor amigo. nos falávamos todos os dias, sem exceção, durante um período de um ano e meio. quando notei que gostava dele, não fiz nada para evitar aquilo. pelo contrário, continuava a cultivar ainda mais o possível romance.
até algo mágico acontecer. algo que mudaria completamente o meu futuro e a minha vida.
ele ofereceu uma visita com passagens pagas pro Rio. eu sabia que era muito irreal, ainda mais se eu fosse sozinha, com apenas 14 anos. não sei como consegui convencer minha mãe (em cima da hora) a ir comigo conhecer ele e os pais dele, mas pra minha sorte, foi isso que aconteceu.
assim que chegamos na rodoviário do Rio, eu experimentei uma ansiedade nunca antes imaginada. quando finalmente avistei ele, depois de ser pega desprevenida por sua mão gelada, senti uma tempestade de borboletas atacarem o meu estômago. abracei ele com muita timidez e seguimos para o carro do padrasto dele.
esse momento awkward não durou muito tempo. aos poucos, nos acostumamos com a presença física um do outro. ele me mostrava o quarto legal dele (com ar condicionado!) enquanto eu folheava seu caderno de desenhos. nunca conheci alguém tão gentil, genial e engraçado como o Void. era impossível não me apaixonar por ele.
passeamos bastante pela cidade maravilhosa, de museus a parques e restaurantes. sempre muito grudados.
em uma das noites da minha estadia, bebemos e assistimos Kamen Rider Build. depois de muitos carinhos tímidos e receios, demos o nosso primeiro beijo. foi melhor do que eu poderia imaginar.
a partir desse momento, eu soube que minha felicidade estava apenas começando.
foi o melhor ano da minha vida. nunca me senti tão bem com alguém antes. ele era meu companheiro, meu melhor amigo. comemos muita coisa gostosa juntos e visitamos lugares legais e bonitos, bem como os desconfortáveis e feios.
tive muitas primeiras vezes com ele e graças a ele. primeira vez no metrô, primeira vez em um festival musical, primeira vez comendo algo diferente, viajando de avião, primeira vez no sexo.
sexo esse que nunca me deixou insatisfeita. nem por um segundo. pelo contrário, ninguém foi melhor comigo no contexto sexual do que ele. nos dávamos muito bem, era como um conto de fadas.
as minhas mais vibrantes e bonitas memórias são ao lado dele. tínhamos uma intimidade muito especial e única.
mas assim como todos os contos de fadas, havia um vilão nas entrelinhas.
vilão este muito bem conhecido por mim. eu mesma.
a partir das últimas análises, pode-se concluir de apesar de instável, eu sigo um certo padrão: meus relacionamentos se encontram e se chocam, bem como os sentimentos originários deles.
eu me apaixonei de novo. por alguém novo.
não conseguia compreender plenamente esse sentimento, ou o que eu queria e deveria fazer com ele.
eu apenas me deixei levar, como sempre. pro Void, ele era apenas um amigo. até certo ponto, era o mesmo pra mim.
enquanto me afundava nesse mar de novas experiências, beijei essa pessoa, e só então pude notar o que estava fazendo. eu realmente tinha feito aquilo. deixei meus impulsos me controlarem. deixei tudo que tinha certeza pra trás enquanto fingia ser outra pessoa, num outro corpo, conhecendo outro alguém.
não tardei a me obrigar a conversar sobre com o Void. não, não havia quaisquer resquício de coragem em mim e não, não sei se fiz isso por "ser o correto a fazer", porque "no fundo eu não era de todo mal".
eu o fiz porque estava mergulhada em culpa. me afogando nas minhas próprias atitudes, me enforcando com minhas promessas e afundando cada vez mais nesse poço sem fundo de desespero.
não acho que essa minha versão tinha um bom coração. não bom o suficiente pra se importar de verdade com quem me amava.
mas essas são as palavras de alguém que desenvolveu um auto criticismo feroz consequente dessa época, então não aconselho ninguém a acreditar em tudo que digo, ao pé da letra.
escrevi, entre muita angústia, medo e culpa, sobre a situação na qual havia me enfiado. isentei alguns detalhes importantes, como o beijo, e enviei a mensagem. desliguei a internet pelo resto da madrugada. não aguentaria ver ele online, lendo minha mensagem, sem saber como reagir, talvez num misto de tristeza e raiva, levando longos minutos dentre algumas pausas pra finalmente me responder.
não me orgulho de nenhuma das minhas atitudes dessa época. nada me irrita mais do que essa fagulha de consideração pela pessoa amada equiparada ao incêndio de auto piedade e culpa que me consumia por dentro. no fim das contas, eu tornava tudo sobre mim mesma.
no dia seguinte, ao ler com muita tristeza sobre os sentimentos do Void a respeito daquela situação, eu acrescentei mais algumas milhares de desculpas na conversa, e disse que estava pensando no que fazer sobre isso. que, independente de qualquer coisa, nada seria capaz de mudar o quanto eu amava o Void, e fui muito sincera sobre isso. nada nem ninguém mudou como eu me sinto sobre ele. nem mesmo o todo poderoso tempo.
depois da trama se desenrolar e a nova pessoa criar raízes em mim, notei que não tinha mais como escapar. sentia meu relacionamento com o Void ir murchando, por conta de toda a tristeza e insegurança que eu despertava nele com essa situação da segunda pessoa.
ele me contou que seu psicólogo suspeitava que ele tinha a Síndrome do Abandono, o que não ajudava nem um pouco a cabecinha dele estando naquela situação comigo. ele sentia que era substituível, que a outra pessoa era muito melhor que ele e mais compatível comigo, e que uma hora ou outra eu iria deixá-lo por isso.
como o esperado, não havia palavras que eu dissesse que amenizasse esse sentimento destrutivo dentro dele. bem como não há palavras suficientes no mundo que descrevam o quanto eu amo ele. mas minhas ações não o deixavam seguro disso, e a partir daí eu desenvolvi ainda mais o meu sistema de culpabilidade.
mesmo me machucando, me desculpando e me justificando pra ele, eu não tentava acabar com aquele sentimento "intruso". eu não levantava um dedo sequer pra mudar aquela situação. porque eu simplesmente não conseguia decidir o que era o melhor balanço pra mim e pros envolvidos nessa bagunça que eu fiz.
e, honestamente, nunca me achei no direito de decidir nada. não tenho esse poder.
quisesse eu ou não, era questão de tempo até tudo ruir. e foi o que aconteceu.
dada a minha ausência de posicionamento, o Void decidiu por nós mesmos - e pelo seu próprio bem estar - que nós não deveríamos continuar juntos. foi um incrível ano, que agora, sentada em sua cama, eu vi ser embaçado como uma janela de carro durante um dia de chuva. todos os nossos momentos juntos agora seriam memórias. talvez encapsuladas em algum registro temporal, já que o tempo não é linear.
ele me dizia que na sua compreensão de tempo, nada nunca acaba; tudo é eterno e nunca deixa de existir. os risos que compartilhamos, os momentos mais mágicos que tive do lado dele, como o dia em que dançamos loucamente e cantamos sem vergonha de nada aquela música bonita do Frank Sinatra. tudo ainda estava lá, constantemente acontecendo, não importa o que o futuro tenha se tornado. ou o que os momentos ruins nos dissessem agora.
tudo estava guardado. assim como esse microtexto, protegendo memórias de dias distantes e mais ensolarados.
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